Por
Roberto Machado CORRÊA
Ricardo Manfredi NAVEIRO
RESUMO
Este artigo apresenta o problema da integração entre as
atividades técnicas de projeto de arquitetura e estrutura de edifícios na etapa
de estudo preliminar, abordando a questão do aprendizado do lançamento das
estruturas no ensino de graduação.
1. INTRODUÇÃO
Um empreendimento para a construção de um edifício envolve
um número grande de informações relacionadas ao custo, ao prazo, à qualidade,
aos recursos humanos, aos materiais, aos equipamentos e ao domínio da técnica
por parte das empresas envolvidas. Essas informações precisam ser muito bem
gerenciadas a fim de minimizar os custos e o desperdício na construção.
Conforme aumenta a complexidade do empreendimento, cresce a
necessidade da integração entre as atividades técnicas de projeto (arquitetura,
estrutura, instalações prediais, iluminação, comunicação visual, paisagismo,
impermeabilização, entre outras) para a construção de um edifício. Esta
integração permite a troca de informações entre os projetistas a fim de
otimizar soluções técnicas e econômicas. Geralmente, a forma da integração
entre essas atividades técnicas varia de equipe para equipe, de empreendimento
para empreendimento, de escritório para escritório.
Dentre as diversas integrações entre projetos de edifícios,
a interface entre arquitetura e estrutura requer uma atenção maior, pois a
estrutura representa a maior percentagem de gastos na execução (cerca de 19% a
26% do custo total do edifício, segundo Goldman, 1986) e os erros cometidos na
execução da estrutura são os mais difíceis de serem corrigidos. Por outro lado,
os custos de projeto variam em média de 1,6% a 2,7% do custo total do edifício
(Goldman, 1986), portanto, é menos custoso corrigir um projeto do que uma obra
estrutural executada. Nessa interface, o projeto estrutural deve respeitar a
forma e a estética definidas no projeto arquitetônico, bem como a arquitetura
deve proporcionar soluções estruturais viáveis dos pontos de vistas técnico e
econômico.
O levantamento feito por Fruet e Formoso (1995), com 45
empresas de construção civil de pequeno porte, indicou que mais de 90% das empresas
efetuam modificações de projeto durante a obra e a freqüência dos problemas
encontrados na elaboração de projetos foi de 53% relativas à incompatibilidade
entre diferentes atividades técnicas. Esses dados são preocupantes, pois a construção
de edifícios altos tem sido um seguimento bastante aceito no mercado
imobiliário brasileiro e a complexidade da integração da arquitetura com uma
estrutura convencional em concreto armado é muito maior nesses edifícios.
Um fator que interfere na integração entre esses dois
projetos é a comunicação entre dois projetistas de formação diferenciada:
arquiteto e engenheiro civil. Conhecimento técnico, capacidade de trabalho em
equipe e experiência de cada projetista atuam diretamente na qualidade de
integração entre os projetos de arquitetura e estrutura.
Para um engenheiro ou um arquiteto recém-formado, é
necessário espírito de equipe e conhecimento técnico bastante fundamentado
sobre lançamento e pré-dimensionamento de estruturas a fim de suprir a sua
pouca experiência em integrar os dois projetos. Esse fato mostra a importância
dos cursos de graduação de arquitetura e engenharia civil darem maior ênfase ao
ensino de integração entre os dois projetos.
2. PANORAMA DO ENSINO
2.1 Distanciamento dos cursos
Uma das razões para a ocorrência do despreparo de muitos
arquitetos e engenheiros civis recémformados para lidar com as interfaces de
arquitetura e estrutura é o distanciamento das estruturas disciplinares
acadêmicas dos cursos de arquitetura e engenharia civil ao longo dos anos. As autoridades
acadêmicas têm-se preocupado mais com os aspectos de especialização de seus cursos
do que os de relacionamento com os demais. Dessa forma, temos arquitetos
formados com poucas afinidades em estruturas de edifícios e engenheiros civis
com poucas afinidades com a forma e o estudo espacial
2.2 Ementa e relacionamento insuficientes entre disciplinas
Na UFRJ, a diferença entre os dois cursos é marcante.
Enquanto no curso de arquitetura menos de 10% das disciplinas abordam
estruturas, o curso de engenharia civil responde com menos de 10% das
disciplinas abordando desenho e estudo espacial.
Outro fato que contribui negativamente para o estudo da
integração entre projetos é a falta de interação entre as disciplinas de
desenho e de estruturas.
No curso de engenharia civil da UFRJ, existem apenas duas
disciplinas de desenho concentrando resumos de assuntos que poderiam ser
abordados com maior profundidade se as mesmas fossem desdobradas em novas
disciplinas. Ao longo dos anos, o desprezo pelo desenho no curso cresceu a
ponto de disciplinas como “Desenho Básico” e “Desenho Técnico I” serem
incorporadas em “Desenho de Engenharia”. Não existe um relacionamento entre as
disciplinas de desenho e de estruturas, apenas há individualidade entre os
assuntos tratados por cada uma. Disciplinas como “Desenho de Projeto” e
“Estrutura de Edifícios”, que poderiam abordar a integração entre arquitetura e
estrutura, estão classificadas como complementares e a primeira raramente é oferecida.
Outras como “Arquitetura I” e “Arquitetura II” ensinam a projetar casa, escola,
posto de assistência médica, fábricas e outros edifícios com base no código de
obras, entretanto não existe uma relação dessas disciplinas com “Estrutura de
Edifícios”.
No fim do curso, o aluno é obrigado a elaborar um projeto
final de um edifício contendo arquitetura, estrutura, instalações, orçamento,
cronograma e especificação técnica. Como não existe disciplina nem método de
ensino para integrar as atividades técnicas de projeto, o aluno acaba
elaborando o projeto em série, desconhecendo ou ignorando a vantagem de
elaborá-lo em paralelo.
2.3 Faltam normas técnicas e bibliografia
A falta de uma bibliografia sobre integração entre esses
projetos agrava a situação da aprendizagem do estudante de arquitetura e de
engenharia civil, uma vez que o assunto é abordado superficialmente por livros
de estruturas de edifícios. Com relação às normas técnicas brasileiras, existem
apenas duas mencionando a relação entre as atividades técnicas de projeto e suas
etapas.
A norma NBR-05679 - Elaboração de Projetos de Obras de
Engenharia e Arquitetura (ABNT, 1995) estabelece as atividades de projeto de
edifícios em etapas e faz uma abordagem generalizada para todas as atividades
técnicas (arquitetura, estruturas, instalações prediais, iluminação,
comunicação visual, paisagismo, impermeabilização, entre outras). Podemos dividir
essas etapas em dois grupos:
- etapas iniciais do projeto: Levantamento, Programa de
necessidades, Estudo de Viabilidade.
- etapas de elaboração do projeto: Estudo Preliminar,
Anteprojeto, Projeto Legal, Projeto Básico e Projeto Executivo.
Tanto a atividade técnica de arquitetura como a de estrutura,
passam por quase todas essas etapas, sendo o projeto estrutural um pouco
defasado do arquitetônico.
A norma NBR-13531 - Elaboração de Projetos de Edificações –
Arquitetura (ABNT, 1995) especifica as atividades de cada etapa do projeto de
arquitetura, porém não existe uma norma equivalente para o projeto de
estruturas explicando a seqüência de suas etapas e o seu relacionamento entre
as demais atividades técnicas. As normas técnicas de estruturas tratam apenas
de dimensionamentos, métodos e ensaios, focando as etapas de Anteprojeto e
Projeto Executivo.
3. INTEGRAÇÃO DE
PROJETOS DE ARQUITETURA E ESTRUTURAS
3.1 Projeto em série versus projeto simultâneo
O início da integração geométrica entre os dois projetos
ocorre na concordância do estudo preliminar de arquitetura com o estudo de
viabilidade de estrutura. Nesse momento, a estrutura dos pavimentos é lançada,
procurando alternativas técnica e economicamente viáveis e verificando o seu
impacto no projeto arquitetônico com relação à forma e à estética. Em resumo, o
lançamento das estruturas pertence à etapa de estudo preliminar de estrutura,
mas depende das informações fornecidas pelos levantamentos, programas de
necessidades, estudo preliminar de arquitetura e pelo estudo de viabilidade de
estrutura.
Em muitos empreendimentos de edifícios, é comum encontrar os
projetos de arquitetura e estrutura elaborados em seqüência. Essa forma de
projetar é desaconselhável, pois corrigir um erro causado no início pode
demandar muito retrabalho, modificando várias etapas já elaboradas.
É recomendável que o anteprojeto de arquitetura seja
elaborado após a conclusão do estudo preliminar de estrutura. Elaborar os dois
projetos simultaneamente permite que o erro seja identificado mais cedo,
provocando menos volume de correções nos projetos.
Essas vantagens devem ser mostradas ao aluno para aprimorar
a elaboração de projetos e exercitar a integração entre os mesmos. É importante
frisar novamente: a tendência do aluno
inexperiente é projetar em série e isso o coloca fora do
perfil dos empreendimentos modernos.
4. REGRAS DE
LANÇAMENTO DAS ESTRUTURAS
Para fazer um bom lançamento das estruturas, o projetista
deve cumprir regras importantes, devendo ser de conhecimento de todo arquiteto
e engenheiro civil recém-formado. Algumas delas estão listadas abaixo:
O lançamento da estrutura de um edifício de vários andares
começa pelo pavimento-tipo, fixando-se a posição das vigas e dos pilares neste
pavimento que, normalmente, é repetido várias vezes no projeto de um edifício
de vários andares.
Após fixar a estrutura do pavimento tipo, verifica-se se a
posição dos pilares pode ser mantida nos outros pavimentos. De preferência, as
estruturas dos demais pavimentos devem obedecer uma mesma projeção das lajes e
vigas; porém, elas podem ser diferentes desde que conservem a posição dos
pilares.
Caso a posição dos pilares não possa ser mantida para os
demais pavimentos, então deve-se estudar novas posições que possam ser
adequadas àsplantas de alvenaria (projeto básico de arquitetura) de modo a não
haver pilares não coincidentes com as paredes nem aparecendo nos compartimentos,
ou atravessando portas ou janelas. Para o andar térreo é sempre preciso buscar uma
solução estética, enquanto que para a garagem é necessário verificar se os
pilares projetados não prejudicam o trânsito e o estacionamento dos automóveis.
Para Rocha (1990), "tudo isto, muitas vezes, se
transforma em um verdadeiro 'quebra-cabeças' que o projetista tem que resolver
da melhor maneira possível, para o que há necessidade de muita arte e grande experiência".
Sempre que as soluções encontradas para os pavimentos
superiores não corresponderem ao andar térreo, é possível colocar os pilares do
térreo em posição diferente dos pilares dos andares superiores; usando a
estrutura da laje de transição no teto do andar térreo ou do pavimento de uso
comum, para fazer a transição dos pilares, podendo ainda, apoiar os pilares em
vigas embutidas nesses tetos.
O início do lançamento da estrutura é baseado na planta de
alvenaria (estudo preliminar de
arquitetura) do pavimento-tipo. Normalmente, o lançamento da
posição das vigas coincide com a posição das paredes, a menos que os cômodos
tenham dimensões muito pequenas (vãos inferiores a 2,50 m), em que se procura
eliminar algumas vigas, e quando os cômodos são muito grandes (salões com mais
de 6,00 m na direção do vão menor, em que se projeta um vigamento aparente, um
teto duplo ou laje mista de tijolo (laje nervurada)).
Os pilares são posicionados nos cantos e nos pontos de
interseção das vigas, sendo que o espaçamento dos pilares deve ser entre 2,00 m
e 8,00 m, salvo em casos particulares. A menor dimensão de um pilar retangular
em concreto armado é de 20 cm, mas é possível projetar pilares em "L"
ou em "T" ou em “cruz”, com abas de 10 cm de espessura para que os
mesmos não apareçam nos cantos dos cômodos. Nos edifícios de padrão alto,
“dentes” provocados por pilares devem ser evitados sempre que possível, pois a
estética é uma característica importante nesse segmento, sendo o emprego
freqüente desses pilares em detrimento dos retangulares.
As vigas em concreto armado, normalmente, apresentam
espessura de 10 cm para paredes de 15 cm, sendo que o vão deve ser inferior a
8,00 m. Vigas com vão muito longo requerem seções maiores, podendo interferir
na estética e no uso (exemplo: passagens e portas). Essas vigas também
acrescentam cargas maiores aos pilares, provocando seções maiores neles e, conseqüentemente,
interferências na arquitetura proposta.
5. INTERPRETAÇÃO E RELACIONAMENTO ENTRE VARIÁVEIS E
RESTRIÇÕES
5.1 Influência das variáveis e restrições de projeto
O lançamento das estruturas não se resume apenas aplicar
regras baseando-se na arquitetura para elaborar o anteprojeto estrutural. Da
mesma forma, as geometrias do projeto arquitetônico e o dimensionamento das
estruturas não são as únicas restrições existentes. Os padrões de tecnologia,
infraestrutura, conhecimento da técnica, recursos humanos e materiais
necessários para executar a obra devem ser considerados na elaboração do
projeto. A não verificação dessas restrições aumenta o risco de insucesso do
empreendimento.
Por exemplo, construir um prédio residencial de quatro
andares de padrão médio-baixo possui um risco menor do que executar um prédio
de escritórios de trinta andares de padrão alto, usando os mesmos recursos para
edificar.
Para cada perfil de empreendimento, existem restrições
comuns e específicas. Todas devem ser estudadas, observando a relação entre
elas e o grau de influência de cada uma exercido sobre um detalhe ou o projeto
como um todo.
5.2 Implementação do estudo das variáveis e restrições de
projeto
Fazer o levantamento de variáveis e restrições de projeto,
bem como estabelecer o relacionamento entre elas, são tarefas que requerem
muito conhecimento e experiência do projetista. Levar os saberes dessa técnica
para a sala de aula é bastante complicado, pois demandam muita explicação sobre
os diversos relacionamentos entre variáveis e restrições, além da subjetividade
da interpretação de cada problema.
Traduzir essas informações para uma ementa de disciplina é
um trabalho hercúleo, porém elas podem ser aproximadas, elaborando-se
exercícios em classe baseados em exemplos reais.
Podem-se usar ferramentas computacionais paraauxiliar na
interpretação dessas informações (exemplo: sistemas baseados em lógica de
restrições), bem como na forma geométrica de projetar através do CAD.
Inicialmente, é interessante estudar os problemas mais comuns de integração
para depois partir para os específicos. Numa segunda etapa, os exercícios
passam a ser elaboração e integração de projetos, com estudos preliminares e de
viabilidade de arquitetura e estrutura. Entendendo esses processos e etapas do
projeto, o aluno estará melhor preparado para se iniciar na elaboração e
integração projetos de arquitetura e estrutura, adequando-se ao mercado de
trabalho do subsetor de edificações.
6. CONCLUSÃO
A falta de norma técnica e bibliografia sobre integração de
projetos de arquitetura e estrutura mostra a defasagem das publicações
nacionais emrelação aos novos processos de projetar e construir empregados pelo
subsetor de edificações.
Essa defasagem também ocorrida no ensino de graduação de
arquitetura e engenharia civil mostra a necessidade de se encontrar métodos,
tanto de ensino como de reformulação da estrutura acadêmica, para que haja uma
adaptação dinâmica dos cursos ao perfil de profissional desejado pelo mercado.
A integração entre projetos de arquitetura e estrutura
ocorre ao longo de suas várias etapas, sendo um assunto muito extenso ainda não
abordado com a importância devida. A realidade mostra os escritórios elaborando
os projetos em paralelo, adquirindo vantagem nos prazos e na agilidade de
corrigir erros decorrentes do processo, aumentando sua competitividade.
O lançamento de estruturas não é um simples conjunto de
aplicações de regras estruturais, mas um estudo complexo, envolvendo
levantamentos, necessidades, recursos humanos, materiais e tecnológicos
disponíveis. Seu entendimento proporciona a arquitetos e engenheiros a arte de solucionar
projetos onde a harmonia entre estética e viabilidade prevalece e o trabalho em
equipe se consolida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas - NBR-05679
- Elaboração de projetos de obras de engenharia e arquitetura. ABNT, Rio de
Janeiro,1995.
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas - NBR-13532
- Elaboração de projetos de edificações - arquitetura. ABNT, Rio de
Janeiro,1995.
FRUET, G.M. & FORMOSO, C.T. - Diagnóstico das
dificuldades enfrentadas por gerentes técnicos de empresas de construção civil
de pequeno porte. UFRGS, Porto Alegre, 1993.
GOLDMAN, Pedrinho - Introdução ao Planejamento e Controle de
Custos na Construção Civil. 2a edição, Editora Pini, São Paulo, 1986.
ROCHA, Aderson Moreira da - Concreto Armado. Vol.1, 25 ed.,
Editora Nobel, São Paulo, 1990.
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